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Editorial

O nº 06 da revista Verberenas está no ar. É curioso pensar que, para essa edição e para a sessão de cinema que virá com ela, acabamos escolhendo textos e filmes que perpassam, de uma maneira ou de outra, pequenas resistências. 

Isoladas em nossas casas ou em nossas rotinas enquanto assistimos a movimentos incendiários que colocam em risco nosso futuro, podemos nos sentir impotentes e deslocadas. Sobreviver é a primeira resistência; nosso primeiro habitat é o corpo e o que nosso corpo toca. Os primeiros passos para resistir são as práticas cotidianas que fundam espaços onde podemos sobreviver. E nosso corpo exige silêncio também. Silêncio, descanso, repouso, respiro, atenção. Talvez a partir daí possamos pensar em como expandir esse espaço, sair do corpo-só para um outro corpo, para a natureza, para a multiplicação, para o corpo coletivo.

Mil anos depois do evento apocalíptico que destruiu a maior parte da civilização humana, uma princesa faz visitas frequentes à floresta tóxica que restou: o Mar da Destruição. Ela observa com cuidado o ambiente por trás da máscara que a protege do ar letal que preenche aquele espaço, interage com os insetos gigantes, recolhe exemplares de plantas e fungos, os examina em seu laboratório para compreendê-los. Enquanto isso, a princesa de um outro reino planeja o extermínio do Mar da Destruição. Essa é a história de Nausicäa no Vale do Vento, filme sobre o qual Caroline Leonardi escreve nesta edição. 

Retomando essa narrativa, a falta de combate da primeira contra a floresta que ameaça destruir a sua comunidade pode ser vista como não-ação. Acreditamos que é um erro, entretanto, interpretar o silêncio, o estudo, a exploração e o convívio com o que não entendemos como falta de ação. Tem parecido cada vez mais fundamental perceber o quanto é pequeno – e, ainda assim, necessário – o nosso papel dentro da enorme rede de seres de que fazemos parte. 

Os textos que trazemos nesta edição são uma espécie de cultivo dessa esperança nos humildes gestos pessoais para sobreviver ao apocalipse dos nossos tempos. Pequenas resistências; como os fungos de Anna Tsing que colonizam os humanos, dos quais fala Caroline Leonardi em seu texto; como os filmes que não foram realizados ainda, mas que se desenham no intrigante do cotidiano de Denise Vieira; como as movimentações de um cinema de mulheres de Rondônia com as quais Naara Fontinele se coloca em diálogo. Algo de estranho e algo de silêncio se coloca, uma espécie de derrota aparente que se manifesta numa sensação de presença vitoriosa. Esse estranho às vezes impele ao riso e ao horror, como o que Stephania Amaral descreve na relação com as videoartes de Pipilotti Rist. Às vezes é algo tão sutil quanto o espaço-tempo que é tecido nas encruzilhadas, como escreve Letícia Bispo. Outras vezes, trata-se de um caminho interior cheio de curvas, como o que Everlane Moraes propõe em seus filmes e sobre o qual discorre na entrevista conduzida por Lygia Pereira. E, tantas vezes, está numa espécie de infiltração estratégica que se encontra no saber ver mantendo alguma desconfiança, como aponta Larissa Muniz sobre o filme Ilusões, de Julie Dash. 

Ao escolher o filme da Sessão Verberenas, enxergamos uma pequena rebeldia em exibir um filme que escolhe tratar do pequeno, um filme que não se pretende incontornável ou urgente, que vai pelo caminho do prazer e do afeto como forma de sobreviver/viver em um mundo que se mostra cada vez mais inóspito. Trata-se de Microhabitat (2017), o primeiro longa-metragem da sul-coreana Jeon Go-woon. O filme inspirou a capa da nossa edição atual, feita pela artista visual danirampe. 

A Sessão Verberenas ocorre entre as 20h do dia 18 de junho e as 20h do dia 20. A crítica e pesquisadora Carol Almeida escreve sobre o filme em seu texto “Contra o capitalismo, Miso pede mais uma dose de uísque”. Ela é nossa convidada para uma conversa sobre o filme que acontecerá no dia 19 (sábado) às 18h em nosso canal.

Como os fungos e bactérias, talvez precisemos aprender a sobreviver a partir dos restos, da morte, da adaptação e da transformação. Começamos a partir do corpo, do desejo, do mais ínfimo movimento. 

Letícia Bispo, Glênis Cardoso e Amanda Devulsky

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