Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

O FUTURO DA GALÁXIA NAS MÃOS DE UMA MULHER: STAR WARS VII – O DESPERTAR DA FORÇA

Quando foi anunciado que George Lucas vendeu sua produtora Lucasfilm para a Disney, e essa última indicou que faria uma nova trilogia de Star Wars, houve um misto de empolgação e temor pelo que estava por vir. Mas pelo visto foi uma decisão acertada, pois este novo filme é visivelmente superior à trilogia anterior (os prequels), e traz o que os fãs mais gostavam da amada trilogia original, com cenas, personagens e até enredo bastante parecidos.

Confesso que não estava muito interessada em mais um filme de Star Wars, mas quando soube que os protagonistas seriam uma mulher e um homem negro, achei que valia a pena conferir. E valeu mesmo. Rey, uma jovem catadora de lixo que tem muito potencial para a Força, e Finn, um stormtrooper rebelado, formam junto com o piloto latino Poe Dameron um trio de novos herois muito carismáticos, além de trazerem a representação de minorias que tanto esperávamos para a saga.

Muito se falou sobre o diretor J. J. Abrams ter um talento especial para reviver franquias antigas, e ele continua mostrando aqui essa destreza, trazendo elementos dos filmes clássicos de Star Wars e conseguindo ao mesmo tempo introduzir novos personagens e novas histórias com grande facilidade. Sim, muitas partes da trama são bem familiares, remetendo muito ao quarto episódio da franquia – Uma Nova Esperança, com alguns elementos quase literalmente trazidos de volta sob outros nomes, como a Starkiller (uma estrela da morte 2.0), Jakku (um planeta desértico tal qual Tatooine), novas coligações do bem e do mal (agora chamadas Resistência e Primeira Ordem), dróides fofinhos que guardam informações importantes, vilões mascarados que seguem ordens de chefões deformados, órfãos desolados que descobrirão seu potencial, etc. Por um lado, essa escolha traz de volta o que os fãs mais gostaram no passado e assegura que continuarão interessados na série, visto o pouco apreço que os prequels acabaram despertando. Por outro, às vezes essa repetição de fórmulas cansa um pouco, embora no geral o filme consiga balancear bem os velhos e  novos elementos.

De qualquer forma, por mais que a trama de Star Wars siga sempre a clássica estrutura da jornada do heroi e tenha potencial para lidar com temas complexos, traçar paralelos com mitologias milenares e também com conflitos atuais, o enredo e o desenvolvimento não atingem realmente esse nível de complexidade, se resumindo a um cinema mais pipocão mesmo, com a clara intenção de entreter. Creio que a força da série esteja mesmo no mundo fantástico criado, que é realmente muito fascinante, e no visual e peculiaridades dos personagens, que os fazem memoráveis. Nesse filme há também um grande esforço para despertar uma bela nostalgia nos espectadores, resgatando personagens queridos da trilogia original, e isso funciona muitíssimo bem, inclusive pelo tanto de aplausos que ouvimos no cinema nesses momentos. (Alguns spoilers a seguir) Algumas possíveis quebras de lógica não me incomodaram tanto quanto a outras pessoas, em especial na batalha final, quando há um certo estranhamento sobre a performance tão boa dos herois destreinados. A diversão da cena e do resto do filme fazem relevar facilmente esses aspectos.

A parte visual está espetacular. Os efeitos são realmente magníficos, e as imagens astronômicas dão um banho em muitos outros filmes do gênero. O trabalho de câmera é excepcional, assim como os efeitos sonoros que caracterizam as famosas naves e armas, e as batalhas são abundantes e bem empolgantes, ajudadas pela decisão de usar menos computação gráfica, tornando algumas cenas mais convincentes que nos filmes anteriores. Por outro lado, eu sempre acho meio problemático esses filmes de “guerra” a representarem de modo tão entusiástico, com os personagens comemorando enquanto atiram nos inimigos. Principalmente porque os stormtroopers são deliberadamente desumanizados, quase como se fossem robôs, para os heróis terem em quem atirar sem culpa. O filme cumpre seu objetivo de aventura e entretenimento com louvor, mas acho que esses temas poderiam ser bem mais discutidos do que são atualmente. Até porque uma das cenas-chave do filme mostra Finn se rebelando contra a Primeira Ordem e decidindo deixar seu posto de stormtrooper justamente pelo horror da guerra e suas consequências (embora, logo após passar para o lado da Resistência, o próprio Finn comece a atirar contra os stormtroopers sem demonstrar muito remorso, gerando uma dúvida sobre que posicionamento a série vai seguir em relação a isso).

No que diz respeito a mulheres, esse filme fez um notável avanço. Há mais mulheres na figuração, nas multidões (pra quem não sabe, isso também é raro em Hollywood), nas salas de controle, pilotando naves, e também não há princesas em tanguinhas. Ainda não vemos uma representação totalmente balanceada, 50% tal como na população do planeta, mas só de mulheres estarem presentes nesses vários cenários já é possível perceber um grande avanço. Alguns dos figurantes e personagens menores também são negros e asiáticos, o que contribui para deixar a galáxia com uma representação mais inclusiva e realista da nossa própria sociedade. Ainda há algum trabalho a ser feito, que é mostrar mulheres interagindo mais umas com as outras, pois o filme só passa no teste de Bechdel por um único diálogo entre Rey e a alien Maz Kanata. Sendo Rey a protagonista, o fato desse filme passar por tão pouco mostra que ela fica a maior parte do tempo convivendo mesmo com os homens do filme. Em um mundo ideal, até o próprio Poe Dameron poderia ser uma mulher, assim como o comandante “nazista”, o alien que compra sucata, ou o próprio vilão, sem mudar absolutamente nada na história, e faria o filme passar no teste de Bechdel facilmente (só iria no máximo irritar muitos nerds machistas).

Outra coisa boa é que, além da protagonista, existem algumas mulheres de destaque: Maz Kanata (a alien interpretada por Lupita Nyong’o), Phasma (a comandante dos stormtroopers), e Leia (interpretada pela mesma Carrie Fisher da primeira trilogia). O lado ruim é que nenhuma delas conversa com a outra, salvo aquele único diálogo que mencionei. No final, Leia e Rey se encontram, e eu pensei “finalmente vamos ter um diálogo mais substancial entre duas mulheres!” Mas elas apenas se abraçam, sem trocar nenhuma palavra. Detalhe: ali era a primeira vez que elas se encontraram, não se conheciam antes, e entretanto os responsáveis pelo filme acharam que elas não precisavam de nenhum diálogo ou alguma interação maior. Fico pensando se esse momento, além de tudo, não atribui a Leia uma função meio maternal, de acolhimento e apoio incondicionais. Por que motivos ela, general da Resistência, iria abraçar uma pessoa que ela acaba de conhecer, sem trocar uma palavra sequer antes? Sei que Rey fez coisas grandiosas e foi corajosa e etc, mas será que conseguimos imaginar Han Solo fazendo o mesmo com alguém que ele acabou de conhecer? O abraço parece ter a função de resumir e substituir o tempo que uma interação maior entre as duas tomaria, visto que a única outra cena que aparece mais na frente é quando Leia se despede de Rey dizendo “que a força esteja com você”, mas Rey nem responde, não é propriamente um diálogo. Eu particularmente acho que seria muito bom poder ver essa relação se desenvolver mais na tela, nem que fosse nos próximos filmes.

A morte de Han Solo foi um momento sobre o qual ainda não sei bem o que pensar. Sempre acho meio ruim quando matam um personagem para motivar a ação de outro, até porque esse recurso já é mega clássico e manjado. Mas, de fato, a série usa a morte do mentor como um recurso recorrente, e não podemos negar que funciona. Talvez por Han Solo ser um personagem tão icônico, e que funcionou tão bem nesse filme, sua falta seja mais sentida. O fato da cena ser bem similar com a de quando Luke descobre que Darth Vader é seu pai no episódio V me tirou um pouco do clima, pela intenção de recriar uma cena épica nos mesmos moldes. Acho que esse tipo de elemento surpresa também tem que ser entregue realmente de surpresa, de forma rápida. Com o tanto de closes e demoras pra causar suspense, o público consegue adivinhar o que vai acontecer, e a cena perde muito da força que poderia ter.

O vilão Kylo Ren, aliás, vem dividindo opiniões, com algumas pessoas gostando bastante de sua história e performance, e outras achando que o ator não convence muito. Acho que estou mais pro segundo time, de fato não achei o ator muito convincente sem a máscara, ele para de parecer ameaçador e vira uma espécie de garoto mimado revoltado. É provável que os próximos filmes o desenvolvam mais, afinal sua história tem pano pra manga, principalmente por ser um sith em formação, ainda demonstrando um certo descontrole e hesitação que podem apresentar várias nuances para seu personagem.

Espero que essa nova trilogia viva para expandir o potencial visto nesse primeiro filme, e que o personagem de Finn seja um pouco mais bem explorado também. Apesar de ser co-protagonista, otimamente interpretado por John Boyega, e ter alguns momentos bem interessantes (como sua cena de introdução), seu desenvolvimento ainda é um pouco mais simples que o de Rey. Eu também fiquei um pouco decepcionada que Lupita Nyong’o esteja irreconhecível no filme, com até a voz alterada, visto que sua personagem é idosa. Porém, eu já acho Rey uma protagonista bem interessante. Ela é uma heroína hábil, mas também demonstra emoções e por vezes fragilidades, o que dá nuances à personagem. Não concordo muito com o título de nova Mary Sue que ela vem recebendo de alguns, inferindo que seja uma personagem perfeita demais. Acho que essa impressão vem mais por causa da trama, que resolve alguns elementos-chave de forma apressada, ou da falta de exposição (por exemplo sobre como ela aprendeu a pilotar naves). O filme também se preocupa demasiadamente em demonstrar o quanto Rey é auto suficiente, como nas diversas vezes em que Finn tenta salvá-la, só para ficar surpreso com o fato dela conseguir escapar sozinha, ou na cena cômica em que eles correm de mãos dadas, e Rey literalmente fala que não precisa daquilo. Não sei se isso foi uma decisão acertada do filme, para os espectadores, assim como Finn, irem aos poucos aceitando o fato de Rey ser independente, ou se isso acaba aumentando essa sensação de protagonista perfeita demais, em vez do filme já normalizar desde o início o fato de mulheres poderem se salvar sozinhas sem surpresa.

Por fim, a atriz Daisy Ridley é bem carismática e faz de Rey alguém com quem o público pode se identificar facilmente. Resta ver o que virá com os próximos filmes, felizmente essa nova trilogia já começou muito bem.