Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras Diálogos de cinema & cultura audiovisual por mulheres realizadoras

Bárbara Cabral

Realizadora e colaboradora do Verberenas desde março de 2016.

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CONFIDÊNCIAS FEMININAS SOBRE O PASSADO E O PRESENTE: A HORA DO CHÁ

Você já teve a impressão que fizeram o filme cujo qual você gostaria de ter feito? Foi o que eu senti ao me deparar com “La once”, ou a Hora do chá – documentário dirigido pela chilena Maite Alberdi. Há tempos venho pensando em filmar os encontros de minha avó e de suas amigas octogenárias que acontecem a cada semana. Denominado como “o jogo das meninas”, a reunião é repleta de lanches, jogos de baralho e confissões íntimas. Parece que a Maite teve a mesma ideia. Em seu longa-metragem documental, a diretora retrata o encontro da avó com mais cinco mulheres, amigas de escola que se reúnem mensalmente há 60 anos.

A princípio, somos guiados pela narradora Tereza que apresenta as integrantes do grupo a partir das personalidades e características de cada uma. Quando já familiarizados, sentamos à mesa para tomar um chá. Com planos muito próximos, nos sentimos verdadeiramente parte da conversa. Os vários planos-detalhe dos doces, tortas e salgadinhos nos trazem uma sensação de conforto e intimidade. Diante de tanto açúcar, seria possível esconder algum segredo? As senhoras seguem conversando sobre os temas atuais e tabus como a sexualidade.

Quando demonstram suas opiniões, as velhas amigas, por vezes, suscitam tendências mais conservadoras. A diretora optou por não esconder possíveis julgamentos ou preconceitos vindos das falas dessas mulheres. Exemplo é a presença das empregadas e o tratamento dado a elas durante o filme. Maite frisa como as domésticas são responsáveis por preparar e arrumar o lanche, mas entre as conversas são ignoradas. Estas senhoras são, de alguma forma, o retrato do Chile, um retrato da classe média chilena que pouco se difere da nossa. No entanto, o longa não destrincha sobre questões políticas e sociais, o foco do documentário é outro: a relação de amizade construída durante anos.

Nesse emaranhado de falas, encontramos muitas vezes opiniões parecidíssimas com as de nossas avós. A discussão sobre “o papel da mulher na sociedade”, por exemplo – e como isso foi ensinado a essas senhoras ainda na época da escola. A discussão se alonga e elas concordam que os valores mudaram e a noite de núpcias já não parece mais um bicho de sete cabeças para nenhuma moça. Uma das amigas leva ao encontro o antigo caderno da disciplina intitulada “Economia doméstica”, onde as características da “boa esposa” eram explicitadas, com destaque para o “ autocontrole”. As próprias senhoras riem após a leitura do caderno. O riso é necessário durante todo o filme. Afinal, elas acabam se criticando, pois muitas vezes não têm as mesmas opiniões.

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A conversa sai dos temas sociais para se tornar mais íntima. “Vocês preferem que seu marido lhe traia ou que ele morra?”, pergunta uma das personagens. O tema do amor e casamento surge como uma causa principal para essas mulheres, menos para Gema – que decidiu não se casar e por isso desperta desconfiança entre as amigas.

Estas senhoras que viveram a época de transição das conquistas feministas se veem, depois de velhas, mais empoderadas. Não tanto pelos direitos femininos adquiridos, mas pelo caráter de discernimento que a velhice possui. Não precisam aparentar mais nada. Não têm papas na língua. Falam o que vem à cabeça. Riem e discutem sem pisar em ovos. Nesse sentido, “La once” nos traz uma perspectiva sobre a percepção dos idosos sobre a realidade. Se na juventude, as regras lhes eram impostas e as alternativas eram segui-las ou quebrá-las, a velhice traz a possibilidade de ignorá-las, de transpô-las.

A hora do chá é também ritualística. Um encontro mensal que acontece religiosamente. Em entrevista, a diretora Maite Alberdi confessou que teve a ideia de fazer o longa após a avó negar de ir à premiação de um filme da neta, pois o evento iria acontecer no mesmo dia que a “hora do chá”. É como “o jogo das meninas”, quando acontece na casa da minha avó, todo mundo tem de sair. Os encontros entre amigas são sagrados. Nesse espaço, nesses dias tão específicos se trocam confissões, intimidades. Por mais diferente que sejam, essas velhas senhoras se sentem pertencentes a algo maior, em outras palavras, ao sentimento da amizade. Aqui relembro o conceito de sororidade. A hora do chá representa aquele encontro semanal com amigas no bar, pra falar de trabalho, de amor, de filhos, de coletor menstrual, “do papel da mulher na sociedade”, etc, etc.

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